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quarta-feira, 16 de abril de 2014

O triste abril de T.S. Eliot

O triste abril de T.S. Eliot

T.S.Eliot (Thomas Stearns Eliot, St. Louis26/09/1888 - Londres, 04/01/1965) não é um poeta fácil. Seus versos são herméticos, sua expressão poética é cheia de alusões culturais, misturas de idiomas, o poeta utiliza elementos visuais, como se fossem collages. Os elementos místicos, as cartas do tarô, a magia, dão esse tom obscuro, simbólico. T.S.Eliot é um escritor para decifrar:
James McColgan - Midnight Tree2
James McColgan – Midnight Tree
I. O ENTERRO DOS MORTOS*

Abril é o mais cruel dos meses, brotando 
Lilases da terra morta, misturando 
Memória e desejo, removendo
Turvas raízes com a chuva da primavera. 
O inverno nos mantinha quentes, cobrindo 
A terra de neve esquecida, nutrindo 
Um pouco de vida os tubérculos secos. 
O verão nos surpreendeu, chegando em cima do Starnbergersee 

Com um dilúvio; paramos junto às colunas 
E continuamos com a luz do sol até Hofgarten, 
e tomamos café, e falamos por um bom tempo. 
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch. 
E quando éramos crianças, estando com o arquiduque, 
Meu primo,  convidou-me para passear em um trenó. 
E tive medo. Disse-me ele, Maria, 
Maria, agarra-te forte. E para lá descemos. 
Nas montanhas, a pessoa se sente livre. 
Eu leio boa parte da noite, e no inverno vou ao sul. 

Quais são as raízes que me aferram, que galhos crescem 
Desse pétreo lixo? Filho de homem, 
Não podes dizer, nem imaginar, porque só conhece 
Um monte de imagens quebradas, que pegam o sol, 
A árvore morta não dá abrigo, nem o grilo dá alívio, 
Nem a pedra seca faz barulho água. Só 
há sombra debaixo desta rocha vermelha. 
(Entra debaixo da sombra desta rocha vermelha), 
E vou te ensinar algo diferente, tanto 
de tua sombra pela manhã caminhando atrás de ti 
como de tua sombra pela tarde subindo ao teu encontro; 
Vou te mostrar o medo num punhado de pó. 

Frisch weht er Wind 
Der Heimat zu 
Mein Irisch Kind, 
Wo weilest du? 

”Deste-me jacintos pela primeira vez há um ano; 
Chamavam-me a menina dos jacintos.” 
- Mas ao voltarmos, tarde, do Jardim dos Jacintos, 
Teus braços cheios de jacintos e teus cabelos molhados, não pude 
Falar, e me falharam os meus olhos, eu estava nem 
vivo nem morto, não sabia nada 
Olhando o coração da luz, o silêncio. 
Oed’ und leer das Meer. 


Madame Sosostris, famosa vidente, 
Tinha um forte resfriado; no entanto, 
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa, 
Com seu perverso baralho. Aqui, disse, 
está sua carta, o Marinheiro Fenício afogado. 
(Pérolas são esses que foram seus olhos. Olha!) 
Eis aqui Beladona, a Madona das Rochas, 
A Dama das Situações. 
Aqui está o Homem dos Três Bastões, e aqui a Roda da Fortuna,

E aqui se vê o mercador caolho, e esta carta,

Que em branco, é algo que ele leva nas costas, 
Mas que me proibiram de ver. Não encontro 
O Homem Enforcado. Teme a morte por água. 
Vejo multidões que dão voltas em círculos. 
Obrigada. Se vê a minha querida Senhora Equitone, 
Diga-lhe que eu mesma lhe levarei o horóscopo: 
Nesses tempos há que se ter muito cuidado. 


Cidade irreal, 
Sob a névoa parda de um amanhecer de inverno, 
Uma multidão fluía pela Ponte de Londres, tantos, 
Que não acreditei que a morte tivesse desfeito a tantos. 
Exalavam suspiros, breves e pouco frequentes,
E cada um mantinha os olhos fixos ante os pés, 
Fluíam costa acima e descendo King William Street. 
onde Santa Maria Woolnoth dava as horas

Com um som morto na balangada final das nove 
Vi alguém que conhecia e o fiz parei, gritando: “Stetson, 
Você estava comigo nas galeras de Mylae! 
O cadáver que plantou ano passado em teu jardim 
Já começou a brotar? Florecerá este ano? 
Ou a geada imprevista estragou seu leito? 
Ah, mantêm longe daqui o cachorro, que é amigo do homem, 
Ou ele voltará a desenterrar com as unhas!

Você! Hypocrite lecteur! – mon semblable -, mon frère” 


sexta-feira, 4 de abril de 2014

O Menino do Pijama Listrado

INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO
Título: O Menino do Pijama Listrado
Autor: John Boyne
Gênero: Literatura Estrangeira/ Romance
Ano de Lançamento: 2007
Formato: .pdf
SINOPSE
O Menino do Pijama ListradoBruno tem nove anos e não sabe nada sobre o Holocausto e a Solução Final contra os judeus.Também não faz idéia de que
seu país está em guerra com boa parte da Europa, e muito menos de que sua família está envolvida no conflito. Na verdade,
Bruno sabe apenas que foi obrigado a abandonar a espaçosa casa em que vivia em Berlim e mudar-se para uma região
desolada, onde ele não tem ninguém para brincar nem nada para fazer. Da janela do quarto, Bruno pode ver uma cerca, e, para além dela, centenas de pessoas de pijama, que sempre o deixam com um frio na barriga.
Em uma de suas andanças Bruno conhece Shmuel,um garoto do outro lado da cerca que curiosamente nasceu no mesmo
dia que ele. Conforme a amizade dos dois se intensifica, Bruno vai aos poucos tentando elucidar o mistério que ronda as
atividades de seu pai. “O Menino do Pijama Listrado” é uma fábula sobre amizade em tempos de guerra, e sobre o que acontece quando a inocência é colocada diante de um monstro terrível e inimaginável.
BIOGRAFIA DO AUTOR
Foto -John BoyneJohn Boyne (nascido em 30 de abril de 1971) é um romancista Irlandês. Ensinou língua inglesa no Trinity College, e Literatura Criativa na Universidade de East Anglia, onde foi galhardoado com o prêmio Curtis Brown. Já escreveu cinco romances e está escrevendo (em 2007) o sexto, assim como uma quantidade de contos que foram publicados em várias antologias e transmitidos por rádio e televisão. Seus romances foram publicadas em 29 idiomas. The Boy in the Striped Pyjamas é um “mais vendido” em Nova York e uma adaptação para o cinema começou a ser filmada em abril de 2007. Boyne reside em Dublim.

A Lista Negra, de Jennifer Brown


Abril. Um mês que, inevitavelmente, será sempre lembrado pelo horror de massacres ocorridos em escolas por jovens: 20 de abril de 1999, Columbine, Estados Unidos; 26 de abril de 2002 , Erfurt, Alemanha; 16 de abril de 2007, Virginia Tech, também nos EUA; e 7 de abril de 2011, Realengo, Brasil. Além desses, muitos outros já ocuparam os noticiários do mundo inteiro, chocando pela violência com que jovens assassinam seus próprios colegas. É com um noticiário como esse que o romance A lista negra abre suas páginas. Lançado agora no Brasil pela Editora Gutenberg, a obra Jennifer Brown é uma ficção que mergulha no mundo juvenil repleto por situações marcadas pelo bullying, preconceito e rejeição.
Essa é a história de Val e Nick. Eles são dois adolescentes que se conhecem no primeiro ano do ensino médio e se identificam de imediato. Val convive com pais ausentes, que brigam o tempo todo e só criticam suas roupas e atitudes. Nick tem uma mãe divorciada que vive em bares atrás de novos namorados. Os dois são alvo de bullying por parte de seus colegas do Colégio Garvin. Nick apanha dos atletas e Val sofre com os apelidos dados pelas meninas bonitas e populares. Ambos compartilham suas angústias num caderno com o nome de todos e tudo que odeiam, criando um oásis, um local de fuga, um momento de desabafo, pelo menos para Val. Já Nick não encara a lista e os comentários como uma simples piada. Há alguns meses, ele abriu fogo contra vários alunos na cantina da escola. Atingida ao tentar detê-lo, Valerie também acaba salvando a vida de uma co¬lega que a maltratava, mas é responsabilizada pela tragédia por causa da lista que ajudou a criar. A lista das pessoas e das coisas que ela e Nick odiavam. A lista que ele usou para esco¬lher seus alvos.

domingo, 23 de março de 2014

Título: Trem noturno para Lisboa

Sinopse

Autor: Paul Mercier
Sinopse: Fenômeno editorial na Alemanha — onde ultrapassou a marca de dois milhões e meio de exemplares vendidos e ficou anos nas listas dos principais veículos —, TREM NOTURNO PARA LISBOA extrapolou as fronteiras da literatura. Terceiro romance de Pascal Mercier, na verdade o professor de filosofia Peter Bieri, ganhou ares de expressão idiomática, usada para designar mudanças de vida. Mercier cria um personagem emblemático, o português Amadeu do Prado. Herói literário com o único objetivo de retratar seu criador. Invenção tão perfeita, que, nos últimos anos, muitos estrangeiros se deslocam para terras lusitanas em busca do escritor fictício.
Tudo começa numa manhã chuvosa, quando Raimundo Gregorius, um homem culto, professor de línguas clássicas, impede que uma mulher se jogue de uma ponte em Berna. O professor se encanta com os sons do balbucio incoerente da suicida. Ao questionar que língua é aquela, fica sabendo se tratar do português. Hipnotizado pela musicalidade do idioma, acaba por comprar um livro do autor português Amadeu Inácio de Almeida Prado, intitulado Um ourives das palavras. Uma reflexão sobre as múltiplas experiências da vida: solidão, finitude e morte, amizade, amor e lealdade.
Fascinado por Prado, Gregorius tenta compreender o misterioso escritor, um médico que morreu 30 anos antes. A obsessão o faz largar sua rotina bem organizada e pegar o trem noturno para Lisboa. Numa descoberta do outro que acaba por ser uma descoberta de si próprio. Ao longo das investigações que o levam pelas vielas da capital portuguesa, ele encontra pessoas que conheceram Prado. E constrói a imagem de um médico e poeta admirável, que lutou contra Salazar. Gozou de enorme popularidade até salvar a vida de um oficial da polícia secreta. Depois disso, as pessoas que o veneravam passaram a evitá-lo. Na tentativa de se redimir, trabalhou para a oposição clandestina.
Gregorius se descobre antítese de Prado, um homem inquieto, capaz de desafiar os pontos de vista ortodoxos. Agora, através de sua influência póstuma, o prudente professor é impulsionado a mudar. Mas o que significa conhecer outra pessoa, compreender outra vida? O que significa para o conhecimento de nós mesmos? É possível fugir da rotina? Este romance é uma epopeia multifacetada de uma viagem através da Europa e do nosso pensar e sentir. Fonte: editora record
  • Fernanda Santos Considerem apenas como um exercício, uma brincadeira, uma apropriação gerada pela admiração da obra de Pascal Mercier.

    "... Porque de uma vida apenas, uma única, dispõe o homem.

    E se para ti esta já quase se esgotou, nela não soubeste ter por ti respeito,
    tendo agido como se a tua felicidade fosse a dos outros... Aqueles, porém,
    que não atendem com atenção os impulsos da própria alma são
    necessariamente infelizes." Pensamentos, Marco Aurélio.

    Carregava dentro de si nem mais nem menos que o mundo inteiro, na verdade, vários mundos. Mas todos eles incompletos. Esta era a idéia que fazia de si. Embora soubesse que era um enorme exagero... Mas como dominar este pensamento que estava sempre inundando-a? Parecia mais um espectro do personagem de Mercier.
    Enquanto vagava pela rua ladeada de lojas, pressentia as pessoas indo e vindo de um lado e outro. Sentia odores; eram vagos, distantes. Ouvia rumores indistintos. E continuava indo em frente...
    Surpreendeu-se com a imagem daquela mulher vestida com um chamisier preto com estampa miúda de flores brancas, mangas 3/4 , os sapatos bege, simples, que acomodavam pés pequenos e pernas longas tornedas. Nas mãos, uma pequena bolsa bordô de alças curtas, entrelaçada nos dedos longos. Os cabelos curtos castanhos, anelavam-se em volta do rosto abatido. Um rosto sem cor, sem vida, sem história. Apenas os olhos escuros chamavam a atenção: carregavam interrogações e um sentimento de "estarem perdidos".
    Quando tocou os cabelos, percebeu-se na imagem refletida da vitrine. Era ela então? Era assim que estava? Era assim que os outros a percebiam? Quando foi que deixou de se reconhecer?
    No fundo da loja vizualizou o adesivo: "Sorria, você está sendo filmada". Sorriu para si. Depois, sorriu de si. E, de repente, teve uma sensação inquietante, indefinida. Sorriu mais uma vez, agora como que experimentando este movimento facial. Aos 37 anos, estava, finalmente, experimentando este formigamento libertador. Foi vendo aquela mulher da vitrine transfigurar-se... O rosto parecia iluminar-se, a boca, antes retesada, flexionou-se e esboçava um sorriso, eu diria, quase aberto. Mas eram os olhos. Os olhos mais uma vez mostravam, como janelas abertas para o sol, que encontrara um caminho. 37 anos! Estava prestes a tomar as rédeas da própria vida. Abandonaria o confortável casulo, que era sua cidade. Conhecia cada rua. Cada casa. Cada saliência dos becos. E , além de tudo, conhecia todas as pessoas daquele lugar. Conhecia tão bem cada um deles! Cada um de seus problemas, de suas alegrias e tristezas. Partilhavam tudo. Ajudava a todos. Aconselhava, olhava as crianças, podava os jardins, respondia as cartas, fazia as compras no mercado, lecionava e ouvia a todos. Era a " amiga de todos".
    Nascera ali, fora criada na mesma casa onde morava. Nunca teve coragem de sair . Nem mesmo quando se apaixonou. Ele foi para a cidade grande. Ela ficou. O que seria dela em uma cidade grande!? Ficaria perdida!
    Aos poucos, a viam como um utensílio que pertencia a cidade de Campos Altos.
    Agora, chegou o momento de libertar-se. Libertar-se desta limitação auto- imposta. 
    Olhando-se, não soube precisar o quê despertou este sentimento tão repentino. Repentino? Não, sempre pressentiu uma vida que queria chegar a superfície, sem conseguir alcançá-la. Sempre abafou-a com as atividades da comunidade. Agora era definitivo. Não sufocaria esta outra vida. Mercie, novamente... Sairia do seu refúgio. Sem mensagem, sem pertences, sem despedidas, sem perdas, sem nada. 
    Em direção a estação, levava consigo apenas a leveza de ser livre e o livro Trem Noturno para Lisboa. by http://folhasoutono.blogspot.com.br/
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Resenha: “Uma criatura dócil”, Fiódor Dostoiévski

Resenha: “Uma criatura dócil”, Fiódor Dostoiévski


Falando em literatura

by Fernanda Jimenez
...Enquanto ela estiver aqui, tudo vai bem: a cada instante chego perto para vê- la, mas que será de mim quando a levem amanhã e eu fique sozinho? (p. 15)
Esse livro começa com uma nota do próprio Dostoievski explicando um pouco sobre o gênero do relato, que ele classifica de "fantástico", mas com um grande fundo realista. Eis aí uma grande contradição. Eu acho muito bacana essa conversa direta com o leitor, alguns escritores também fizeram isso, dirigiram- se diretamente ao leitor, como Saramago e Machado de Assis. O escritor diz que demorou quase um mês para escrever esse texto. A narrativa trata de uma jovem mulher que havia se jogado de uma janela há algumas horas e seu marido a encontra morta e fica aturdido, dando voltas, sem saber o que fazer ou pensar. O homem, um quarentão, militar retirado, é agiota e hipocondríaco. Fala consigo mesmo, não está bem psicologicamente e tem que lidar com essa situação, sua esposa morta, uma órfã de 16 anos incompletos, estendida em cima de duas mesas durante seis horas. Dostoievski explica que é uma narrativa contraditória nos aspectos psicológico e sentimental, o pensamento debatendo- se até encontrar a verdade. O autor mesmo qualifica esse embate de "confuso"Por que a mulher suicidou- se? Quando temos a notícia de algum suicídio, não é sempre essa pergunta que nos passa pela cabeça?
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Fiódor Dostoiévski nasceu em 11 de novembro de 1821, em Moscovo, Rússia e  faleceu em 9 de fevereiro de 1881, em São Petersburgo, Rússia. Escritor existencialista, sua obra considera o homem como centro e todo o conjunto de suas emoções e pensamentos. Jean- Paul Sartre também seguia essa linha, ele disse: "A existência precede e governa a essência.
"Dostoiévski nos mostra a intimidade de um casamento por conveniência, ela muito pobre, ele muito solitário. Ele, o poderoso; ela, a submissa. Conheceram- se quando ela o levava objetos de muito pouco valor para penhorar.
(...) as pessoas boas e submissas não resistem muito e, ainda que não sejam muito expansivas, não sabem esquivar uma conversa: respondem com sobriedade, mas respondem, e quanto mais avança o diálogo,  mais coisas dizem; basta não cansá- los, se você quer conseguir algo. (p. 19)
A moça vendia seus poucos pertences para colocar anúncios no jornal "A voz" oferecendo- se para trabalhar como institutriz, caseira, costureira, cuidadora de doentes... até desespero chegar e  pedir um trabalho por casa e comida. Ela queria sair da casa das tias que a maltratavam e que queriam vendê- la a um homem que já havia matado, à base de surras, suas duas esposas anteriores.
Durante o casamento era ele que ditava todas as normas e ela era só silêncio e resignação. Ele mesmo achava- se um tirano e a moça doce, mansa e angelical, mas ele não conseguia mudar de atitude, talvez essa seja uma das contradições que Dostoiévski comentou. O homem tem consciência, mas não a atitude para mudar seu caráter, instinto, ações. Mesmo sentindo- se culpado pela morte da esposa, tentava justificar- se e colocar a culpa na defunta.
A vida dos homens, em geral, está maldita! (p.43)
Até as pessoas mais calmas e mansas têm um limite. A esposa adolescente era empregada do marido na loja de empenhos. Ela fez um mal negócio para um viúva idosa e o marido reclamou. A moça esbravejou, perdeu a serenidade, ficou uma fera. Deixou de falar com o marido e sumiu por dois dias. Nesse tempo a moça mudou bastante aos olhos do marido. Ou ela sempre foi assim, espirituosa, violenta, agressiva?
Ler Dostoiévski é sempre uma incursão ao interior do ser humano, uma evocação do que existe de mais profundo, como a abertura de um porão abandonado e esquecido. Ele liberta o fluxo do pensamento antes da ação, mostra o plano mental e emocional do homem.
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Esse quadro de Gabriel Von Max, "O anatomista" (1869), retrata perfeitamente a cena do homem e da mulher morta que Dostoiévski narrou em "Uma criatura dócil".
O amor às vezes chega tarde demais...e não há mais salvação, só resta a dúvida.
"O último dia de um condenado à morte", de Victor Hugo. Livro citado por Dostoievski nessa obra,  já está na minha lista de desejos.
Edição brasileira à venda na livraria Cultura:

sábado, 18 de janeiro de 2014

Dom Casmurro”, de Machado de Assis

Dom Casmurro”, de Machado de Assis

by Fernanda Jimenez
(...) Talvez abuso um pouco das reminiscências osculares; mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas. Ora, de todas as daquele tempo creio que a mais doce é esta, a mais nova, a mais compreensiva, a que inteiramente me revelou a mim mesmo. (Dom Casmurro lembrando do seu primeiro beijo com Capitu)
Eu não sei se pode ser chamada de "resenha" esses textos que escrevo sobre os livros que leio. Vou anotando o que penso e os trechos das obras conforme vou lendo. Os textos acabam ficando fragmentados e sem muita coesão, mas é assim que gosto de fazer....escrevo o que vai surgindo durante a leitura. Vamos lá...se você gosta de literatura brasileira, uma obra imprescindível na sua lista de leituras é "Dom Casmurro" (1899), editado pelos irmãos Garnier, dois franceses radicados no Rio de Janeiro. Machado de Assis não pode faltar na biblioteca de todo bom leitor.
machado-de-assis
Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 - Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908). A história de Machado é incrível: ele era pouco escolarizado, não frequentou universidade, era de família pobre, era mulato (naquela época motivo de discriminação), mas ele nadou contra a maré e venceu. Foi auto- didata, erudito, escreveu todos os gêneros literários, trabalhou no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, escreveu para jornais, foi tipógrafo, revisor e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e o primeiro presidente eleito por unanimidade. Seu talento incontestável abriu- lhe todas as portas. Casou-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais (Porto, 1835 - Rio de Janeiro, 1904) que era muito culta e inclusive o ajudava a escrever e revisar os textos de Machado. Carolina e Machado não tiveram filhos, ficaram casados por 34 anos. O escritor ficou viúvo em 1904 e escreveu esse poema em homenagem à esposa:
            A Carolina
Querida! Ao pé do leito derradeiro,
em que descansas desta longa vida,
aqui venho e virei, pobre querida,
trazer-te o coração de companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
que, a despeito de toda a humana lida,
fez a nossa existência apetecida
e num recanto pôs um mundo inteiro...
Trago-te flores - restos arrancados
da terra que nos viu passar unidos
e ora mortos nos deixa e separados;
que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,
pensamentos de vida formulados,
são pensamentos idos e vividos.
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                                            Carolina Augusta Xavier de Novais
 De saúde frágil segundo muitos biógrafos, sofria ataques epiléticos, problemas nervosos, problemas de visão e também era gago. O que o torna ainda mais admirável. Dizem as más línguasque Machado teve um caso com a esposa de José de Alencar e que tiveram um filho juntos. Também dizem por aí que Machado conta a história dessa traição em Dom Casmurro. O escritor morreu por causa de um câncer na boca possivelmente provocado pelos tiques que sofreu durante toda a sua vida.
 "Dom Casmurro"(1899) é dividido em 148 capítulos curtos. É começar a ler e não conseguir mais parar até o final. A história deDom Casmurro, quer dizer, de Bentinho e sua amada Capitu, narrado pelo próprio protagonista, é uma das mais incríveis histórias de amor já escritas. A intensidade do primeiro amor:
Eu amava Capitu! Capitu amava- me! E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e crentes de abarcar o mundo. Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira.  Capítulo 12,  "Na varanda")
Bentinho ou "Dom Casmurro", apelido que ganhou e foi explicado o motivo no início da obra, descreve  Capitu ("Capitolina"), sua amiga de infância e vizinha, assim:
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam- lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. (Capítulo 13: "Capitu")
Capitu e Bentinho tinham uma relação muito especial, entendiam- se sem palavras. O futuro padre e a amada sofriam pelo futuro próximo, onde Bentinho entraria num seminário. A mãe de Bentinho obrigou- o a entrar no seminário, apesar da recusa do rapazinho e da revolta de Capitu, era uma promessa e ela tinha que cumprir. Bentinho não tinha vocação para ser padre e tentou de tudo para que sua mãe desistisse da ideia. Pediu ao agregado da família José Dias e à prima Justina que o ajudasse a convencer a sua mãe, Glória. A prima negou logo, disse que era impossível convencer a Glória. Bentinho saiu ao Passeio Público com José Dias para ver se ganhava um aliado. José olha os vizinhos Pádua com reserva, veja o que ele pensa de Capitu, umas das passagens mais conhecidas da obra (Capítulo 25):
Capitu, apesar daqueles olhos que o Diabo lhe deu...Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e adulação. Oh! a adulação!
José Dias prometeu ao rapaz que tentaria dissuadir dona Glória. Vários capítulos Bentinho passa com essa dúvida, "mamãe atenderá meu pedido?". Bentinho queria mesmo era ser médico. Capitu preferia qualquer coisa, menos o seminário, inclusive preferia que Bentinho fosse estudar na Europa. Bentinho foi até o quarto da menina, lembrou da definição de José Dias sobre os olhos de Capitu e decidiu dar a sua: "olhos de ressaca"- ressaca do mar, não a ressaca depois de uma bebedeira (capítulo 32):
Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei- me às outras partes vizinhas, às orelhas, aosbraços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar- me e tragar- me.
O beijo acontece no capítulo 33. Emocionante, atordoado, vertiginoso. A partir daí, o menino de 15 anos começou a sentir- se homem. O namoro escondido e o desejo de contar à mãe a falta de vocação eclesiástica. E o casalzinho sofre a dor da separação, fazem promessas, mas não de amor, mas de resignação. Bentinho pediu que Capitu prometesse duas coisas: que ela só se confessaria com ele e que fosse ele o padre a casá- la. E ela acrescentou ainda mais uma promessa, que seria Bentinho que batizaria o seu filho. Tudo isso dito com dor e uma certa ironia. Fizeram as pazes e Capitu jurou que jamais casaria com ninguém; e Bentinho jurou que só casaria com ela. E no final, ambos juraram que só casariam um com o outro, com o céu por testemunha. E Bentinho seguiu para o seminário de São José debaixo de muito choro.
Ia ser poeta, ia competir com aquele monge da Bahia, pouco antes revelado, e então na moda; eu, seminarista, diria em verso as minhas tristezas, como ele dissera as suas no claustro. (cap. 55)
Aos sábados, Bentinho voltava para casa e continuava a ver Capitu, mas com prudência, dissimulavam o amor para não levantar suspeitas e assim poder construir seus planos de futuro, que incluía a saída de Bentinho do seminário. Nesse tempo em que Bentinho ficou fora, Capitu e a dona Glória fizeram- se muito amigas, Capitu ia lá costurar de manhã e ficava até a hora do jantar. Foi quando dona Glória ficou muito doente e Capitu foi logo cuidá- la. A mãe de Bentinho ficou muito mal e passou pela cabeça do rapaz que se ela morresse acabaria o seminário. Morreu de remorso por tal pensamento, queria contar tudo à mãe e fez uma promessa que rezaria mil Pai- nossos para que ela ficasse boa. E ficou, ufa! Bentinho começou a imaginar planos de se livrar do seminário junto ao seu grande amigo Escobar e o amigo da família José Dias. Promessa difícil essa de dona Glória, por uma doença na infância do filho, prometeu a Deus entregar Bentinho à Igreja. Mas Bentinho conseguiu abandonar o seminário com dezessete anos para estudar Direito até os vinte e dois. Escobar também saiu do seminário e casou- se com Sancha, a amiga- irmã de Capitu.
Bentinho e Capitu casaram- se, por fim, em 1865o capítulo sobre o casamento é um dos mais bonitos:
(...) uma tarde de março, por sinal que chovia. Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde era o nosso ninho de noivos, o céu reconheceu a chuva e acendeu as estrelas, não só as conhecidas como as que só serão conhecidas daqui a muitos séculos. (cap. 101)
Depois de dois anos de casados, Capitu e Bentinho ainda não tinham conseguido ser pais, como ambos desejavam e pediam em oração. Escobar e Sancha tiveram uma menina e deram o nome de Capitu, "Capituzinha". O menino dos nossos protagonistas acabou chegando, Ezequiel. Escobar morreu afogado nadando no mar bravo. Bentinho sentiu uma atração sexual por Sancha. Não poderia ter acontecido o mesmo entre Capitu e Escobar? Todas as sutis pistas na obra indicam que Capitu traiu Bentinho com Escobar. Ezequiel seria filho de Capitu e Escobar. Bentinho notava semelhanças na criança com o defunto amigo, tinham os mesmos olhos e gestos parecidos. Bentinho via Escobar quando olhava para o menino, que ia crescendo e aumentando mais ainda a semelhança. Bentinho vivia atormentado com esse fato, tanto, que por pouco não cometeu suicídio bebendo um café envenenado. Tal traição, dizem, teria acontecido na vida real com o Machado e a esposa do amigo José de Alencar, ambos teriam tido um filho. Onde há fumaça há fogo, não? Eu não acredito em coincidências. A pergunta não é "Capitu traiu mesmo Bentinho?", a pergunta é "Valeu à pena tanto ciúmes, Dom Casmurro?"
                                     Deus é grande e descobre a verdade.(cap.52)
Prestem atenção no capítulo "Os vermes", é muito interessante, é uma parábola de uns vermes que ferem-se, mas têm o poder da auto- cura.
Esta sarna que é escrever, quando pega aos cinquenta anos, não despega mais. (cap. 54)
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Assis, Machado. Dom Casmurro. Murano, 2009 (ebook).


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

“O original de Laura”, de Vladimir Nabokov

Resenha: “O original de Laura”, de Vladimir Nabokov

“O original de Laura” é um rascunho de Vladimir Nabokov (São Petersburgo, 22 de abril de 1899 - Montreux, Suíça, 2 de julho de 1977), considerado um dos maiores escritores da literatura universal. Ele escreveu essas fichas quando estava doente, faleceu seis meses depois por causa de uma bronquite. Bronquite adquirida por negligência médica, segundo o filho do escritor. Nabokov estava internado para fazer uma cirurgia simples e uma enfermeira não parava de espirrar no quarto, ele foi contagiado, pegou uma bactéria e foi por isso que veio a falecer.
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O escritor deixou ordens expressas para que escritos não fossem publicados se ele não conseguisse terminá- los, mas a mulher e o filho, Vera e Dmitri Nabokov, decidiram que valia à pena. Vladimir e a esposa colecionavam borboletas, coletavam os insetos na fazenda, propriedade do casal, eram entomólogos. Na introdução do livro, o filho Dmitri conta que seu pai começou a perder a saúde em 1975, por causa de uma queda numa ladeira em Davos. Caiu e ficou imóvel, sem conseguir mexer- se. Os turistas olharam a cena e soltaram gargalhadas. Depois Nabokov pediu ajuda agitando a rede de caçar borboletas, mas as pessoas acharam que era brincadeira. E afirma que a “formalidade pode ser muito desumana”: seu pai chegou no hotel mais tarde, mancando, com a roupa suja e os empregados ainda por cima chamaram a sua atenção ao invés de ajudá- lo. O filho também conta as suas impressões de menino de quase seis anos, filho de um escritor, coisa que ele nem sabia bem o que era e que imigraram da Europa aos Estados Unidos num transatlântico. Dmitri também conta que os editores americanos não quiseram publicar “Lolita” com medo da repercussão e Vera arrancou as folhas das mãos de Vladimir, pois iria incinerá- las. Por pouco deixaria de existir uma das mais conhecidas obras da literatura mundial. Mais uma curiosidade: Nabokov detestava “Dom Quixote”, de Cervantes, ele achou o livro “tosco” e “cruel”.
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O método de trabalho de Nabokov era através de fichas, em “O original de Laura” são 138 de seu punho e letra, assim vemos a labuta, o suor do escritor. No livro estão as fichas e suas respectivas transcrições. Muito interessante ver em cada ficha o processo criativo, o fluxo de pensamento, as palavras tachadas, desprezadas e as escolhidas, o fazer literário:
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Laura é uma mulher de 24 anos, excessivamente magra, delicada, ela é um personagem criado por Flora. “O original de Laura” narra uma história dentro da história. Laura é sensual, meio promíscua, o alter- ego de Lolita. Ela é casada com o brilhante médico neurologista e professor de Psicologia Experimental na Universidade de Ganglia, Philip Wild, que sofre há 17 anos de uma doença estomacal humilhante. Nabokov reflete muito sobre a morte, sobre viver com doenças, ele mesmo estava passando por esse processo. Flora sofria de febre e dores e escrevia, tal como o escritor. Alguns pensamentos sobre a morte  e como chegar no que há de mais puro no ser:
O estudante que deseja morrer deveria aprender antes de nada a projetar uma imagem mental de si mesmo em sua lousa interna. Esta superfície que em seu melhor estado virginal possui uma profundidade opaca mais cor ameixa escura que negra, não é outra que a cara interior das pálpebras da pessoa mesma. (p. 96)
O livro é escatológico, demasiado humano, uma radiografia do ser humano nos seus piores estados de dor e fragilidade. “Nota de Wild” (p. 136):
autoextinção
auto- sacrifício, dor
Não é um livro otimista, é triste, é como ver o ser humano se autodestruindo, caminhando até a aniquilação, a morte. O fim dessa obra inacabada, como o próprio ser humano, termina com os seguintes verbos (p.168):
eliminar- suprimir-apagar-tachar-cancelar-anular-obliterar (desaparecer)
Quem sabe (pura especulação, “achismo”) o autor tenha proibido a sua família de publicar essa obra, porque ele gostaria de ter mudado esse final. Talvez quisesse dizer que apesar de tanta dor, o ser humano poderia se recuperar, se reinventar, renascer. O que não foi possível no caso dos personagens, nem do autor.
Eu coleciono livros com “Laura” no título, é o nome mais lindo do mundo…. é o nome da minha filha.18650283
Nabokov, Vladimir. El original de Laura. Anagrama, Barcelona, 2010. 168 páginas

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Resenha: “Grande Sertão: veredas”

Resenha: “Grande Sertão: veredas”, João Guimarães Rosa, no dia da morte do escritor

Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.( p. 30)
Eu também desconfio de muita coisa, até dessa incrível “coincidência”, postar ao acaso essa resenha (cheia de “anotamentos”) justo hoje: data do falecimento de Guimarães Rosa. A vida é mesmo mística.
O escritor, ministro, diplomata e médico João Guimarães Rosa (Cordisburgo, Minas Gerais, 27 de junho de 1908 - Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967) foi também membro da Academia Brasileira de Letras, ocupou a cadeira nº 2, eleito em 6 de agosto de 1963. Morreu precocemente de enfarto, morte misteriosa e anunciada. Ele recusou- se a tomar posse na Academia Brasileira de Letras, porque disse que se o fizesse iria morrer. Acabou cedendo quatro anos depois e entrou para a Academia. No seu discurso de posse falou: “A gente não morre. Fica encantado”. Sua premonição/ profecia se cumpriu e três dias depois da posse, Rosa faleceu. Arrepia, não?!
“O grande sertão: veredas”, uma autobiografia irracional, palavras do próprio autor foi dedicado à sua esposa Aracy Guimarães Rosa, sua segunda esposa (ela merece um post à parte) trabalhou no consulado de Hamburgo na época do Holocausto e ajudou a enviar ilegalmente judeus ao Brasil. Foi uma grande mulher. Faleceu aos 102 anos no dia 3 de março de 2011. Aracy e Rosa viveram por 30 anos a sua história de amor.
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(…) Era assim: eu ia indo, cumprindo ordens; tinha de chegar num lugar , aperrar as armas; acontecia o seguinte, o que viesse vinha; tudo não é sina? (p. 220)
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Aracy, “Ara”, era paranaense, é a única mulher mencionada no Museu do Holocausto, em Israel e nos Estados Unidos por sua ajuda na fuga de judeus. Foi uma mulher valente e admirável!
O intelectual…Foto Guimarães Rosa _ 01
…e o homem do campo, sertanejo:kovadloff-guimaraes20rosa204
A posse na Academia Brasileira de Letras:
Guimarães Rosa, 3
Um post é ínfimo para tentar falar sobre a grandeza desse livro. Grande sertão: veredas é a obra- prima de Guimarães Rosa e um patrimônio da literatura brasileira. Não é uma leitura fácil a princípio, ler Rosa é bastante intenso, dentro da “simplicidade complexa” do falar do homem sertanejo, que muita gente pode necessitar de um dicionário à parte, pois é um léxico que a maioria do povo da cidade não domina. A primeira palavra do primeiro parágrafo é “nonada”, que é de origem crioula, significa “insignificante”, “pouco”, não é um neologismo como já li por aí. A ordem lexical da obra é caótica, oral, as frases são desconstruídas. Contudo, o cérebro se acostuma e a leitura começa a deslizar “fácil”, é rica, divertida, surpreendente. O cenário cheira  à natureza, ao rio Urucúia, ao sertão mineiro e ao baiano, às agruras da terra seca. Os personagens retratados no seu habitat, sem correções gramaticais, com suas superstições, mil seres estranhos e endemoniados, mas isso não impede que estejam impregnados de sabedoria, onde se fazem presentes Deus e o Diabo, os saberes da vida,  o plantar e o colher, o tempo, a vida e a morte, os segredos da fauna e da flora, um povo místico que acredita na magia da vida. E os neologismos, como “fantasiação”, “estranhez”, “desenormes”, “afamilhado”, “demudou”, “babeja”, “nuelo”, “gasturado”, “duvidação”, “deslúa”, “conhecença”, “tãomente”, “vivimento”…são uma atração à parte, tente imaginar o que significa cada uma delas. Os tradutores dessa obra devem ter arrancado os cabelos. Esse livro não é nada previsível, existe uma certa fragmentação, se você pular algum trecho vai fazer falta no decorrer da leitura, cada parágrafo é essencial. O narrador é Riobaldo, que um dia foi jagunço, conversa com o compadre Quelemém, homem “estudado”, amigo, mas forasteiro, por isso achou bom contar a sua história, já que o homem iria embora mesmo. Quelemém é um ouvinte mudo durante todo o romance e ouve atentamente todos os “causos” do amigo jagunço. Riobaldo é um filósofo do sertão, suas falas são carregadas de sabedoria. Fiz uma seleção de citas:
O senhor não duvide- tem gente neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta… (p.28)
O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. (p. 32)
Viver é muito perigoso…Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. (p. 32)
Deus é paciência. O contrário, é o diabo. (p. 33)
Por enquanto, que eu penso, tudo quanto há, neste mundo, é porque se merece e se carece. (p. 33)
Me fez um receio, mas só no bobo do corpo, não no interno das coragens. (p. 34)
Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. (p. 35)
(…) O senhor sabe: há coisas de medonhas demais, tem. Dor do corpo e dor da idéia* marcam forte, tão forte como o todo amor e raiva de ódio. (p.37)
(…) Eu confiro com mu compradre Quelemém,o senhor sabe: razão da crença mesma que tem- que, por todo mal, que se faz, um dia se repaga, o exato. (p. 38)
(…) Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas- mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é as brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro- dá gosto! A força dele, quando quer- moço! me dá até pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho- assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza. (p. 39)
(…) E, alma, o que é? Alma tem de ser coisa interna supremada, muito mais do de dentro, e é só, do que um pensa: ah, alma absoluta! (p. 41)
(…) Se sonha; já se fez… (p. 41)
(…) Perto de muita água, tudo é feliz. (p. 45)
Moço: toda saudade é uma espécie de velhice. (p. 56)
O amor, já de si, é algum arrependimento. (p. 57)
Para trás, não há paz. (p. 58)
Guerra diverte- o demo acha. (p. 75)
Viver é um descuido prosseguido. (p. 86)
O senhor sabe: tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem que ter um triste amor à honestidade. (p. 88)
Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.. Mas, se não tem Deus, há- de a gente perdidos no vai- vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar- é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. (p. 76)
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. (p. 80)
Despedir dá febre. (p.81)
O sertão é do tamanho do mundo. (p. 89)
Qual é o caminho certo da gente? Nem para frente nem para trás: só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos fazem. Os bichos estão só é muito esperando. Mas, quem e que sabe como? Viver… (p. 110)
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não se misturam. (p. 115)
Ah, e se não fosse, cada acaso, não tivesse sido, qual é então que teria sido o meu destino seguinte? Coisa vã, que não conforma respostas. Às vezes essa idéia me pões susto. (p. 142)
Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca. Eu queria mesmo algum desespero. (p. 169)
Medo de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência. (p. 201)
 Ator - Atriz
A Rede Globo de televisão (Brasil) produziu uma minissérie baseada em Grande sertão: veredas, protagonizada por Toni Ramos (Riobaldo) e Bruna Lombardi (Diadorim), exibida em 1985.
A obra também é engraçada, os nomes dos personagens citados, as histórias são hilárias: Pedro Pindó, Valtêi (um nome considerado “muderno”),  Jisé Simpilício, Joãozinho Bem- Bem, Zé- Bebelo, Sô Candelário, Antônio Dó, Andalécio, Urutú- Branco, Jazevedão, Olivino Oliviano, Joé Cazuzo, Piolho- de- Cobra, Ana Duzuza, entre outros.
Riobaldo começa a contar ao compadre Quelemém a sua amizade com Diadorim, filho de Joca Ramiro. Diadorim é o seu melhor amigo, mas ele sente uma atração inexplicável muito mais além de uma amizade, é paixão, amor. Jagunço e homossexual são coisas incompatíveis e isso o deixa agoniado :
Diadorim  e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se diferenciava dos outros- porque jagunço não é muito de conversa continuada nem amizades estreitas: a bem eles se misturavam e desmisturavam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois juntos, ninguém nada não falava. Tinham a boa prudência. Dissesse um, caçoasse, digo, podia morrer. (p. 44)
Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria a boca; mas era um delém que me tirava para ele- o irremediável extenso da vida. Por mim, não sei que tontura de vexame, com ele calado eu a ele estava obedecendo quieto. (p. 45)
(…) Quem sabe, podia ser, eu estava enfeitiçado? (p. 51)
(…) meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre.(p. 55)
Noite essa, astúcia que tive uma sonhice: Diadorim passando debaixo de um arco- íris. Ah, eu pudesse mesmo gostar dele- os gostares… (p. 66)
Meu corpo gostava do corpo dele (…) (p. 198)
Riobaldo já idoso, também conta histórias da sua infância, de um passeio de barco no rio São Francisco quando menino, uma bela narrativa sobre a coragem e o medo; também sobre quando faleceu a sua mãe e ele foi morar com o padrinho rico, Selorico Mendes, foi só então que aprendeu a ler. Conta como começou a ser jagunço, o dia a dia dessa vida e os seus problemas de consciência.
Desculpa me dê o senhor, sei que estou falando demais, dos lados. Resvalo. Assim é que a velhice faz. Também, o que é que vale e o que é que não vale? Tudo. (p. 160)
Riobaldo era homossexual ou bissexual, pelo menos, já que também se apaixonou por uma mulher, Otacília (ou foi pela impossibilidade de consumar seu amor com Diadorim?):
Ela era risonha e descritiva de bonita. (p.205)
Toda moça é mansa, é branca e delicada. Otacília era a mais. (p. 206)
Riobaldo sente atração por um homem, situação inaceitável num meio altamente machista/homófobo como era o do cangaço, o sertanejo “cabra- macho”. Ele viu  o amigo Reinaldo tomar banho no rio, tirou a roupa e iria tomar banho também, só que sentiu uma “alegria”. Ficou bravo consigo mesmo, vestiu a roupa. Contou ao compadre Quelemém, negou o óbvio, mas se contradisse ao mesmo tempo:
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. (…) Era ele estar longe, e eu só pensava nele. (…) Acho que. Aquela meiguice (…) E em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente- tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. (…) Conforme, por exemplo, quando eu lembrava daquelas mãos, do jeito como se encostavam em meu rosto, quando ele cortou meu cabelo. (p. 163)
Foi Reinaldo que apresentou Joca Ramiro (pai de Diadorim) a Riobaldo. Reinaldo, na verdade, era o “menininho” corajoso que encantou Riobaldo na travessia do rio na infância deles. Reinaldo não se chama Reinaldo, seu nome verdadeiro é Diadorim. Diadorim não é homem, Diadorim é mulher, mas Riobaldo se apaixonou por ele (ou ela) pensando que era homem. Diadorim mudou de gênero desde criança, alma de menino preso num corpo feminino. Diadorim disse a Riobaldo:
Mulher é gente tão infeliz! (p. 188)
Zé Bebelo e Joca Ramiro eram rivais. Riobaldo era amigo de Bebelo e achava que ele tinha razão, mas estava apaixonado pelo filho de Ramiro, homem rico e cheio de posses. O que vai decidir Riobaldo? Que bando vai escolher? E Diadorim que não queria ser mulher, se apaixonou por Riobaldo? Ficaram juntos? E Otacília? Só lendo!
Viver é muito perigoso, frase repetida muitas vezes durante toda a narrativa. É uma obra genial tanto na forma quanto no conteúdo. Todo ser humano, não só brasileiro, deveria ler essa obra!
(…) minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? (…) Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for…Existe é homem humano. Travessia. (p.624)
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Rosa, João G.. Grande sertão: veredas.  Nova Fronteira, São Paulo, 2005. 624 páginas
*O editor preferiu manter a ortografia original que usou Guimarães Rosa, sem as correções da nova ortografia.

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