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terça-feira, 11 de novembro de 2014

ERA DOR

Publicado em  em Historias contadas

Existem muitas maneiras de se fazer fogo. Quando se conhece o básico de sobrevivência e precisa-se muito de fogo, qualquer pessoa arranja alguma forma. Qualquer pessoa.
Na cela que não tinha de dividir com ninguém, Ella mantinha seu foco no fogo e se esforçava ao máximo para criar alguma faísca. Era tudo o que restava a fazer.
- Do fogo viemos e ao fogo tornaremos – Repetia diariamente.
Era escuro em sua cela e os guardas eram brutais, uma pena pesada demais para alguém que queria apenas ver o mundo iluminado pelas mais belas chamas, azuis, verdes, vermelhas e amarelas. Qualquer variação possível seria um acréscimo na beleza à tudo aquilo. O cheiro da fumaça adentrando seu nariz… O cheiro era sempre diferente, dependendo do material que era queimado. Plástico e borracha eram extremamente desagradáveis, mas não importava, ela gostava de ver qualquer coisa queimar.
O fogo era extremamente purificativo.
No escuro, ela conseguia sentir cada elevação na pele, queimaduras de mais de um grau, que havia sofrido em consequência dos experimentos com fogo.
- Do fogo viemos e ao fogo tornaremos.
O fogo era extremamente purificativo, ela tinha certeza. Não se importava com as queimaduras, elas a tornavam limpa.
Ela lembrava do primeiro cara que havia queimado. Era algum surfista cheio de luzes nos cabelos… Pobre alma, não sabia que aquela não era uma forma muito criativa de se iluminar, mas Ella solucionara isso. Havia sido simples demais.
Ela jogou gasolina em cima dele e na cama do motel em que haviam se usado. Ele acordou por causa do cheiro forte e desagradável, mas já era tarde demais. Ela já estava o abençoando com seu único isqueiro na mão, ateando fogo nos lençóis.
Ela ainda via-o, os cabelos não tinham mais luzes, mas ele estava bem iluminado. Por vezes ele a visitava em sua cela, trazendo a luz consigo. Conversavam sobre várias coisas, inclusive sobre o poder do fogo.
Os outros nunca apareciam, mas ela sabia que eles estavam por aí, aproveitando sua segunda vida infernal. O fogo era o que todo homem merecia.
- Do fogo viemos e ao fogo tornaremos.
O fogo era extremamente purificativo.
O cheiro de humano queimando nunca fora muito agradável, mas isso não importava muito, pois ela gostava da aparência que a carne adquiria enquanto queimava. Ela poderia comer as cinzas, mas tinha repulsa por canibalismo, era um ato extremamente imoral e desumano.
Uma noite o surfista veio, trazendo luz e seu único isqueiro, com apenas um pouco de líquido ainda dentro. O isqueiro estava morno do fogo fantasma que o surfista carregava. Naquela noite, ele não disse nada e ela o imitou. Não havia nada a ser dito, eles sabiam:
- Do fogo viemos e ao fogo tornaremos.
Ela passou o resto da noite acordada, encarando o brilho do reflexo gelado da lua no metal do isqueiro. Quando ateou fogo em si mesma, não gritou imediatamente, demorou até estar irremediavelmente queimada, utilizando-se de uma força inumana para suportar a dor calada. O fogo era extremamente purificativo e à ele Ella tornou.
O sorriso durou apenas até perceber que aquilo não era o céu, era a dor.
Por Rebeca Queiroz

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