quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Resenha: “Uma criatura dócil”, Fiódor Dostoiévski

Resenha: “Uma criatura dócil”, Fiódor Dostoiévski


Falando em literatura

by Fernanda Jimenez
...Enquanto ela estiver aqui, tudo vai bem: a cada instante chego perto para vê- la, mas que será de mim quando a levem amanhã e eu fique sozinho? (p. 15)
Esse livro começa com uma nota do próprio Dostoievski explicando um pouco sobre o gênero do relato, que ele classifica de "fantástico", mas com um grande fundo realista. Eis aí uma grande contradição. Eu acho muito bacana essa conversa direta com o leitor, alguns escritores também fizeram isso, dirigiram- se diretamente ao leitor, como Saramago e Machado de Assis. O escritor diz que demorou quase um mês para escrever esse texto. A narrativa trata de uma jovem mulher que havia se jogado de uma janela há algumas horas e seu marido a encontra morta e fica aturdido, dando voltas, sem saber o que fazer ou pensar. O homem, um quarentão, militar retirado, é agiota e hipocondríaco. Fala consigo mesmo, não está bem psicologicamente e tem que lidar com essa situação, sua esposa morta, uma órfã de 16 anos incompletos, estendida em cima de duas mesas durante seis horas. Dostoievski explica que é uma narrativa contraditória nos aspectos psicológico e sentimental, o pensamento debatendo- se até encontrar a verdade. O autor mesmo qualifica esse embate de "confuso"Por que a mulher suicidou- se? Quando temos a notícia de algum suicídio, não é sempre essa pergunta que nos passa pela cabeça?
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Fiódor Dostoiévski nasceu em 11 de novembro de 1821, em Moscovo, Rússia e  faleceu em 9 de fevereiro de 1881, em São Petersburgo, Rússia. Escritor existencialista, sua obra considera o homem como centro e todo o conjunto de suas emoções e pensamentos. Jean- Paul Sartre também seguia essa linha, ele disse: "A existência precede e governa a essência.
"Dostoiévski nos mostra a intimidade de um casamento por conveniência, ela muito pobre, ele muito solitário. Ele, o poderoso; ela, a submissa. Conheceram- se quando ela o levava objetos de muito pouco valor para penhorar.
(...) as pessoas boas e submissas não resistem muito e, ainda que não sejam muito expansivas, não sabem esquivar uma conversa: respondem com sobriedade, mas respondem, e quanto mais avança o diálogo,  mais coisas dizem; basta não cansá- los, se você quer conseguir algo. (p. 19)
A moça vendia seus poucos pertences para colocar anúncios no jornal "A voz" oferecendo- se para trabalhar como institutriz, caseira, costureira, cuidadora de doentes... até desespero chegar e  pedir um trabalho por casa e comida. Ela queria sair da casa das tias que a maltratavam e que queriam vendê- la a um homem que já havia matado, à base de surras, suas duas esposas anteriores.
Durante o casamento era ele que ditava todas as normas e ela era só silêncio e resignação. Ele mesmo achava- se um tirano e a moça doce, mansa e angelical, mas ele não conseguia mudar de atitude, talvez essa seja uma das contradições que Dostoiévski comentou. O homem tem consciência, mas não a atitude para mudar seu caráter, instinto, ações. Mesmo sentindo- se culpado pela morte da esposa, tentava justificar- se e colocar a culpa na defunta.
A vida dos homens, em geral, está maldita! (p.43)
Até as pessoas mais calmas e mansas têm um limite. A esposa adolescente era empregada do marido na loja de empenhos. Ela fez um mal negócio para um viúva idosa e o marido reclamou. A moça esbravejou, perdeu a serenidade, ficou uma fera. Deixou de falar com o marido e sumiu por dois dias. Nesse tempo a moça mudou bastante aos olhos do marido. Ou ela sempre foi assim, espirituosa, violenta, agressiva?
Ler Dostoiévski é sempre uma incursão ao interior do ser humano, uma evocação do que existe de mais profundo, como a abertura de um porão abandonado e esquecido. Ele liberta o fluxo do pensamento antes da ação, mostra o plano mental e emocional do homem.
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Esse quadro de Gabriel Von Max, "O anatomista" (1869), retrata perfeitamente a cena do homem e da mulher morta que Dostoiévski narrou em "Uma criatura dócil".
O amor às vezes chega tarde demais...e não há mais salvação, só resta a dúvida.
"O último dia de um condenado à morte", de Victor Hugo. Livro citado por Dostoievski nessa obra,  já está na minha lista de desejos.
Edição brasileira à venda na livraria Cultura:

2 comentários:

  1. E O OSCAR VAI PARA...
    *Carlos Roberto de Souza

    No dia 09 de março deste ano, O Fantástico exibiu uma reportagem sobre o abandono estrutural e humano do ensino público. Tal matéria meu causou espécie: como pode nossa nação – que se vangloria membro do [B.R.I.C.S], clube dos países emergentes fundado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – manter escolas sem condições de ensino onde alunos e professores sofrem indignados?
    A reportagem mostrou escolas de Alagoas, Pernambuco e Maranhão literalmente sem teto, sem água potável, carteiras quebradas, chão esburacado e sem banheiros (em algumas tanto alunos quanto professores faziam suas necessidades no mato). Os alunos tinham que acordar de madrugada para pegar um “caminhão pau-de-arara” até às escolas. Outros eram obrigados a percorrer uma longa distância a pé em lamaçais. Um quadro patético!
    Eu me pergunto onde está o tão difundido projeto “Criança Esperança” da Rede Globo, causador de euforia e lágrimas? Onde os políticos – cujos filhos formados nas melhores universidades – esconderam o que sobrou de sua pífia vergonha? Ah, que saudade dos atos estudantis da década de 1960, quando Jovens saíam às ruas para protestar e enfrentar a truculência da Ditadura... E o que restou da nossa Democracia mundana? Nada a não ser uma “Faixa de Gaza” cujas pedras são insuficientes para atingir o âmago do caos.
    O Governo (municipal, estadual e federal) merecia uma indicação ao “Oscar de Efeitos Especiais” devido à violência urbana gratuita, drogas vendidas e consumidas a céu aberto, roubos, sucateamento do ensino público, desvalorização do professor e pelos buracos [plagiados da trilogia “Jurassic Park”] que tomam milagrosamente nossas ruas e avenidas.
    O tapete vermelho da infâmia foi estendido; Sobre ele veremos os mais sórdidos políticos, tecnocratas e candidatos ao vestibular da roubalheira caminharem com altivez. O que mais me intriga, porém, é saber que com o passar do tempo, tudo isso será esquecido para ceder (em primeira mão) colunas para os babados, furos jornalísticos e meia página para os jardineiros dedurarem seus chefes.
    Portanto, alegrai-vos! Pois novamente seremos lobotomizados com o que não enxergamos além dos nossos narizes.


    *Poeta, editor e membro da Academia Machadense de Letras.

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    1. Querido Fanzine, Fiquei admirada com teu comentário. Perfeito e sem sombra de dúvida é o que eu penso a esse respeito. Quanto ao documentário da tal Rede Globo de Manipulação, eu também assisti perplexa em saber que esse descaso social existe em nosso país. "O criança esperança," que tanta gente chora de emoção, como você citou, não consegue alcançar milhares de crianças espalhadas pelo Brasil, como essas crianças guerreiras de Alagoas, Pernambuco e Maranhão, que com todos esses obstáculos ainda sentem desejo de aprender e quem sabe ter um futuro admirável.... Parabéns a eles; alunos e professores! E parabéns a você, pelo seu comentário bastante verdadeiro e que nos faz pensar...
      Obrigada pela visita e volte sempre!

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